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APRESENTAR O HOMEM E SUA POESIA: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E A ROSA DO POVO.

APRESENTAR O HOMEM E SUA POESIA: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E A ROSA DO POVO.

Mires Batista Bender

Pra começar, você já ouviu alguém falar que não gosta de ler poesia, mas adora o Carlos Drummond de Andrade? Por causa dele muita gente já aprendeu a gostar de poemas. E você, já o conhece? Deixe-me apresentá-lo:

– O nome “Carlos” significa “homem”

– Drummond → drum + onde

drum = grande, forte

onde = onda

– E “andrade? Andrade é “árvore de folhas alternadas flores pálidas” (como no poema).

Mineiro de Ita ira, a 31 de outubro de 1902, nasceu escorpiano = a essência do mistério. No dia em que Drummond nasceu, houve um eclipse do sol. Era dia de São Quintino, aniversário da reforma do Lutero e “Beltane” desde os primeiros Celtas. Para muitas crianças: doces e vestes de Halloween. Quanta energia rodopiando no primeiro dia do agnóstico Carlitos. Então, “um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: “Vai, Carlos!” E ele foi e viveu.

O inconfidente itabirano, expulso da escola pelo professor de Português, – quem diria! – foi ensinar a matéria. E que mestre se tornou! De Itabira “onde as ruas começam para só acabarem em seu coração”, vai para Belo Horizonte, e, das estradas de Minas, para o Rio de Janeiro. O poeta sai da província e faz sacudir, como um tsunami, a Capital Federal. Vai, gauche, incomodado diante da vida, perturba a paz daqueles que não reconhecem as pedras no meio de seu caminho. Em 1930, publica seu primeiro livro de poemas Alguma poesia.

Em 1934, é servidor do governo. Ora, direis: como assim? Um “comunista ateu” a serviço da direita católica? Santa ironia!  Porém, o cargo não conforma o poeta e, em 45, é o funcionário de gabinete de ministro do Estado Novo que irá redigir os versos inquietantes, revolucionários de A rosa do povo. Mas o próprio poeta sente a pressão de ser duplo. E a situação trágica faz um Carlos dizer ao outro: “não se mate, Carlos”. “Tens pressa de reconhecer derrota, coração orgulhoso”.

Para segurar a barra do dia e vencer “num mundo enfastiado”, o poeta se disfarça em elefante (branco?).  A paquidérmica e exótica figura vai seguir tentando  manter-se “alheia a toda a fraude”, armando-se contra os sonhos usurpados, para criar um lugar “sem perda ou corrupção”.

Oh! Aqueles tempos do poeta são os dias de hoje e essa é a sua matéria:

“o tempo presente, os homens presentes

a vida presente”.

 

  1. Razões para ler A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andr de.

Título: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa. E o povo, o que é?”

Cá entre nós,

você espera que um livro de poemas traga respostas?

Que perguntas você faz a um livro de poesia?

Antes disso:

Quando pega um livro pra ler, você se pergunta por sua “biografia”?

Surge uma curiosidade sobre o lugar onde ele foi escrito ou em que ano nasceu?  E se o livro que você pegou para ler se chamar “A rosa do povo”? Por exemplo: você  vai ficar desconfiado, achando que o tal livro deve falar de flores e talvez sobre  pessoas?

Interessará saber que esse livro “veio à luz” em 1945? Que começou a ser concebido no final da década de 1930 e que esses eram tempos da segunda grande guerra mundial? Que o poeta brasileiro que escreveu morava numa grande cidade moderna e o fez sob o regime de ditadura do Estado Novo?

Será que, por isso, o livro é sombrio e traz o sentimento da injustiça, da dor e da revolta que a guerra e as torturas suscitam?

E mais? Quem é o povo que habita esse livro?  É possível encontrar pessoas, corações e mentes num livro de poemas? E flores?

Ah, as flores. Elas estão em toda parte! Com um nome como esse, o livro pode ter grandes rosas amarelas e, talvez, até uma que brotou em pleno asfalto, numa larga avenida da cidade de concreto… Será que quando estiver lendo esse livro, você vai pensar nesse poeta e levantará um pouco os olhos da página, olhando para o teto (ou para o céu, se estiver lendo no quintal, na praça, deitado num gramado bem verdinho…) e ficará curioso para saber o que levou o poeta a escrever um livro que parece ser sobre flores e pessoas?

Talvez você goste de saber que esse escritor, que veio de uma cidade cercada de montanhas, sempre escreveu sobre os sentimentos das pessoas vivendo nos campos e nas cidades, que ele expressou o incômodo de cada homem diante da vida e do mundo, mas, agora, neste livro, vai mudar o tom da conversa e se abrir para os temas do contato social, da coletivização. Que, sem perder o lirismo, as páginas estarão cheias das lutas das pessoas contra a opressão e o medo.

Vou contar um segredo sobre esse livro. Ele tem pelo menos sete faces: a poesia social, a reflexão existencial, a poesia sobre a própria poesia, a memória, o amor, o cotidiano, a celebração dos amigos. Espero que você encontre, ainda, o prazer da leitura.

  1. Perguntas frequentes …

a. É ver ade que Drummond também escreveu pornografia?

Sim. A obra O amor natural, lançado pela Companhia das Letras em 1992, cinco anos depois da morte do poeta, reúne poemas eróticos e até pornográficos de alto teor de lirismo. Segundo a crítica, esses versos estão entre os maiores exemplos dessa modalidade poética em qualquer idioma.

b. É verdade que, apesar de ser considerado um dos três maiores poetas brasileiros de todos os tempos, Drummond não faz parte da Academia Brasileira de Letras?

Sim, ele nunca aceitou se candidatar.

A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, é da Companhia das Letras.

 

Pa te 3. Caminhar pela de memória

Pa te 3. Caminhar pela de memória

A formação do leitor, alicerçada a todo uma dinâmica metodológica de aprimoramento da competência leitora, em uma construção que envolve estratégia de mediação e de interação entre o sujeito leitor e o texto literário, implica também a mobilização de um acervo de leituras. A constituição desse corpus, obviamente associado a localização identitárias dos sujeitos, à(s) cultura(s) com a(s) qual(is) esses sujeitos se identificam, tem uma função de dupla dimensão quando se observa a tradição literária.

Em primeiro lugar, um corpus canônico sustenta no próprio processo interpretativo da recepção e no processo constitutivo desses textos a evolução histórica da literatura, seus deslocamentos e alternâncias na projeção do tempo. Tratar das fontes é uma necessidade de qualquer investimento pedagógico na formação do leitor e, principalmente, na compreensão de que a literatura acontece em um constante diálogo intertextual, no qual o contemporâneo tem sempre um olhar no passado. Todo ato criativo, toda voz criadora, sempre pode ser, segundo Bakhtin, “a segunda voz do discurso” (1992). Isso quer dizer que todo produto discursivo é de alguma forma resposta ao que lhe antecedeu e, também, proposta ao que virá depois. Não existem enunciados fora dessa relação de diálogo. Toda obra literária, assim como qualquer discurso, se articula em um ato de locução que de certa forma replica propondo tréplicas:

“O próprio locutor, como tal, é em certo grau, um respondente, pois não é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio do mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que utiliza, mas também a existência dos enunciados anteriores […] aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação” (Bakhtin, 1992, grifo do autor).

Assim, se cada enunciado, cada texto, cada poema, romance, conto, são elos em uma cadeia de outros enunciados, entender o contemporâneo tem, como fundamento, conhecer a tradição.

Em segundo lugar, a literatura como objeto de reflexão, de estudo e de ensino não pode viver sem um olhar preocupado com a tradição, pois isso significa saber quem somos como sociedade e como cultura. No que se refere à escola atual e mesmo à universidade,  associa-se à crise de leitura um voltar-se as costas para a tradição, privar a recepção de qualquer história. É evidente que o contexto de inovações tecnológicas pode ser visto como um fator que afasta a leitura das produções do passado, focalizando o olhar de hoje no “amanhã” das telas digitais. O problema, contudo, é anterior à ubiquidade invasiva dos celulares. Segundo Zilberman (2009):

O novo panorama escolar, vigente até os dias de hoje, caracteriza-se pela ruptura com a história do ensino da literatura, porque se dirige a uma clientela para a qual a tradição representa pouco, já que aquela provém de grupos aos quais não pertence e com os quais não se identifica. A nova clientela precisa ser apresentada à literatura, que lhe aparece de modo diversificado e não modulado, tipificado ou categorizado; ao mesmo tempo, porém, fica privada da tradição, à qual continua sem ter acesso, alargando a clivagem entre os segmentos que chegam à escola e a história dessa instituição.

Ao homenagear quatro autores que cumprem décadas de nascimento ou morte em 2017, a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, em sua 16ª edição, pretende trazer a tradição pela voz do contemporâneo. Assim, os atores convidados a tratar de Clarice Lispector, Ariano Suassuna, Moacyr Scliar e Carlos Drummond de Andrade terão suas obra lidas da mesma forma como serão interpretadas também as obras dos homenageados. De alguma forma eles estão, latentes, potenciais,  nos textos de Afonso Romano de Sant’Anna, de Bráulio Tavares, de Cintia Moscovitch e de Nádia Gotlib.

 

Miguel Rettenmaier

Fabiane Verardi Burlamque