Browsed by
Tag: Cíntia Moscovich

Pa te 3. Caminhar pela de memória

Pa te 3. Caminhar pela de memória

A formação do leitor, alicerçada a todo uma dinâmica metodológica de aprimoramento da competência leitora, em uma construção que envolve estratégia de mediação e de interação entre o sujeito leitor e o texto literário, implica também a mobilização de um acervo de leituras. A constituição desse corpus, obviamente associado a localização identitárias dos sujeitos, à(s) cultura(s) com a(s) qual(is) esses sujeitos se identificam, tem uma função de dupla dimensão quando se observa a tradição literária.

Em primeiro lugar, um corpus canônico sustenta no próprio processo interpretativo da recepção e no processo constitutivo desses textos a evolução histórica da literatura, seus deslocamentos e alternâncias na projeção do tempo. Tratar das fontes é uma necessidade de qualquer investimento pedagógico na formação do leitor e, principalmente, na compreensão de que a literatura acontece em um constante diálogo intertextual, no qual o contemporâneo tem sempre um olhar no passado. Todo ato criativo, toda voz criadora, sempre pode ser, segundo Bakhtin, “a segunda voz do discurso” (1992). Isso quer dizer que todo produto discursivo é de alguma forma resposta ao que lhe antecedeu e, também, proposta ao que virá depois. Não existem enunciados fora dessa relação de diálogo. Toda obra literária, assim como qualquer discurso, se articula em um ato de locução que de certa forma replica propondo tréplicas:

“O próprio locutor, como tal, é em certo grau, um respondente, pois não é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio do mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que utiliza, mas também a existência dos enunciados anteriores […] aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação” (Bakhtin, 1992, grifo do autor).

Assim, se cada enunciado, cada texto, cada poema, romance, conto, são elos em uma cadeia de outros enunciados, entender o contemporâneo tem, como fundamento, conhecer a tradição.

Em segundo lugar, a literatura como objeto de reflexão, de estudo e de ensino não pode viver sem um olhar preocupado com a tradição, pois isso significa saber quem somos como sociedade e como cultura. No que se refere à escola atual e mesmo à universidade,  associa-se à crise de leitura um voltar-se as costas para a tradição, privar a recepção de qualquer história. É evidente que o contexto de inovações tecnológicas pode ser visto como um fator que afasta a leitura das produções do passado, focalizando o olhar de hoje no “amanhã” das telas digitais. O problema, contudo, é anterior à ubiquidade invasiva dos celulares. Segundo Zilberman (2009):

O novo panorama escolar, vigente até os dias de hoje, caracteriza-se pela ruptura com a história do ensino da literatura, porque se dirige a uma clientela para a qual a tradição representa pouco, já que aquela provém de grupos aos quais não pertence e com os quais não se identifica. A nova clientela precisa ser apresentada à literatura, que lhe aparece de modo diversificado e não modulado, tipificado ou categorizado; ao mesmo tempo, porém, fica privada da tradição, à qual continua sem ter acesso, alargando a clivagem entre os segmentos que chegam à escola e a história dessa instituição.

Ao homenagear quatro autores que cumprem décadas de nascimento ou morte em 2017, a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, em sua 16ª edição, pretende trazer a tradição pela voz do contemporâneo. Assim, os atores convidados a tratar de Clarice Lispector, Ariano Suassuna, Moacyr Scliar e Carlos Drummond de Andrade terão suas obra lidas da mesma forma como serão interpretadas também as obras dos homenageados. De alguma forma eles estão, latentes, potenciais,  nos textos de Afonso Romano de Sant’Anna, de Bráulio Tavares, de Cintia Moscovitch e de Nádia Gotlib.

 

Miguel Rettenmaier

Fabiane Verardi Burlamque