Introd ção: Nem tudo precisa estar pronto, nem completo, para ser algo

Introd ção: Nem tudo precisa estar pronto, nem completo, para ser algo

É certo que o leitor, ao observar, mesmo sem muito cuidado, o título deste blog, que ainda será livro ou os Cadernos “incompletos” de leitura da 16ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. haverá de estranhar a falta de letras, um possível descuido dos autores, da editoria, uma eventual e grave babada da revisão, em uma gralha aberrante. Acompanhando o estranhamento, haveria o espanto de imaginar uma razão para o “erro”: o que poderia ter causado a ausência de letras nas palavras flagrantemente “desdentadas”? Uma falha ou problema no arquivo digital? Uma sabotagem contra a publicação?! De qualquer forma, seja lá qual for a hipótese levantada, uma coisa é certa, a ausência de letras não inviabilizou constituição discursiva do título, seja da obra, seja desta “introd ção”.  A falta nas palavras não impossibilitou sua leitura, da mesma forma que quando trocamos as letras de um determinado termo, a troca pode parecer impreceptível (como, talvez, a palavrinha logo antes). De qualquer forma, o todo da leitura aconteceu, mesmo na ausência de partes, como se o título sorrisse com todos os dentes (a falta de dentes jamais torna ilegível um sorriso amigo…).

Partes e todo: a atividade

O que são as partes e o que é o todo, é importante que se observe, não é coisa simples em se tratando do ato de ler. Não é fácil configurar o que pode ser visto ou sentido como ausência em um texto ou como presença. O que falta ou o que aparece tem sempre em si um véu de incerteza, por isso não há interpretação sem sombra de controvérsia. As lentes da leitura nunca são transparentes. Além disso, não há, jamais, em um texto todas as informações necessárias ao entendimento. O jogo compreensivo traz, ativamente, da “parte” do leitor, perguntas possíveis já respondíveis pela recepção antes mesmo da leitura “em si” do texto. Assim funciona no reconhecimento de um tipo de suporte, de um gênero textual, no funcionamento como um texto se propõe, no “manual de instruções” que cerca e atravessa o funcionamento de todo jogo discursivo, já que “o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida” (KLEIMAN, 2002).  Aliás, foi justamente o conhecimento prévio que o levou a estranhar (e completar) a falta de letras no título deste livro: isso não se encaixa no acordo precedente entre a produção e a recepção de um enunciado pronto, mas… deve haver algum motivo: o leitor perguntará a sei mesmo, já sabendo que palavras estão ali, inacabadas. E seguirá…

A partir do tal primeiro contato, olho no texto, mão na massa, o leitor é um atuante perguntador, já que no texto não oferece explicitamente todas as informações necessárias à sua compreensão. Quem lê deve trabalhar com hipóteses suspensas, respondidas à medida que progride a leitura nos seus saltos inquietos, submetidos à dinâmica proposta social, cultural e discursivamente a cada escritura, dirigida menos nos olhos e muito mais na nossa (in)(com)ciência. O a compreensão e o conhecimento irão se constituindo, usando o passado, projetando o futuro em uma linha de tempo multiplicada pelo feixe de experiências de cada leitor ativo, em quantos passados são possíveis nos termos acordados entre o autor e sua recepção.

Um dos autores aqui, neste livro, trabalhados, Federico Andahazi, em O livro dos prazeres proibidos, descreve uma das as antigas salas dos copistas, anteriores à prensa, onde trabalhavam, frente a longas mesas inclinadas, em banquetas, um ao lado do outro, os encarregados de reproduzir livros. As palavras de um dos personagens da obra, o Diretor da Casa da Moeda, pai de Gutemberg, mostram, nessa circunstância, a importância do desconhecer para a fidelidade da cópia:

Os melhores copistas são aqueles que não sabem ler. O significado do texto não apenas altera a caligrafia, mas induz ao erro, na medida em que, muitas vezes, compreendemos o que desejamos ler ou, pior ainda, só entendemos aquilo que está ao alcance da nossa razão. Além disso, é muito frequente discordar de um texto, de maneira que os copistas letrados podem se ver tentados a deixar sua própria opinião em obra alheia (Andahazi, 2013. Grifos nossos).

 

Aqui, por sinal, acrescenta-se a posição ativa do leitor, não apenas ao compreender do que lê, mas também, fundamentalmente, ao discordar do lido, do texto, acrescentando ao ato compreensivo um papel (des)(re)construtivo. Ele pode e deve (re)construir e, se não tiver outro jeito, discordar do que lê, avançando na compreensão ao propor um novo texto, uma réplica, um confronto.

Aos leitores de C mpl te  as le turas cabe esse papel também… avançar na compreensão que propomos nos capítulos que seguem, em nossas discussões sobre obras de autores convidados à 16ª Jornada Nacional de Literatura. Os autores estão agrupados em cinco partes, mas haverá posts isolados quase que diariamente, compondo essas “partes”, nesse “todo” a ser feito. Na primeira delas, estão dedicados estudos (leituras) sobre os novos coordenadores dos Palcos de Debates. Ali, estão contemplados trabalhos sobre Felipe pena, Alice Ruiz e Augusto Massi. Posteriormente, cada temática dos Palcos de Debates é aprofundada em um capítulo distinto.  “A leitura além dos limites: literatura e imagem”, trata do tema “Literatura e imagem: além dos limites do real”, discutindo obras de Pedro Gabriel, Zeca Camargo, Rafael Coutinho e Roger Mello. “Caminhar pela de memória “ associa-se à temática “Centauro, pedra, rosa e estrela”, que homenageia, na proposta da Jornada de 2017, Moacyr Scliar, Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. Tais autores completam décadas de nascimento ou morte esse ano e, além de ganharem espaços no complexo da 16ª Jornada nacional de Literatura, serão, no encontro com a plateia, discutidos por escritores da importância de Affonso Romano de Sant’Anna, Braulio Tavares, Cíntia Moscovich e Nádia Battella Gotlib. Essa seção ainda traz, obviamente, estudos sobe a obra dos autores homenageados. A quarta parte “A arte canta por elas (e por todos)”, está vinculada à temática “Por elas: a arte canta a igualdade” Marina Colasanti, Conceição Evaristo, Federico Andahazi. Por fim, “Sem medo de ler” trata das obras de   Mario Corso, Michel Laub, Julián Fuks, na a temática “Monstros e outros medos colecionáveis.

O C mpl te  as le turas, como blog, se oferece às lacunas de possíveis comentários. Que venham, que sejam positivos, provocadores, pois servirão como anotações abertas sobre a leitura das obras aqui discutidas, em novas análises a completar pontos que nossa equipe, com todo o esforço realizado, talvez não tenha percebido. É a hora de “discordar de um texto” se for o caso… Complete o incompleto, então, leitor, afinal, nem tudo precisa estar pronto..

Fabiane Burlamaque

Miguel Rettenmaier


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